Luís Rodriguez
4 min readOct 7, 2021

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-Dr. Gilberto, meu filho é viado. Minha vida está uma desgraça. Eu sou broxa. Descobri vendo pornô que tenho o pau pequeno. Minha mulher não aguenta mais olhar para minha cara. E minha filha quer me matar.
-Não precisa me chamar de Dr., mas continue.
-Enfim, descobri um dia desses que meu filho vai à noite no Conic. Nem Ciallis importado consegue resolver meu problema. A Carol, ah, a Carol, ela me odeia, Dr. Ela não frita nem um ovo mais para mim. E eu não sei cozinhar. Eu sou um fracasso; cobro só duzentos reais pela sessão; e não vale, Dr. Não vale ficar ouvindo as baboseiras desse pessoal. Ontem mesmo veio um me dizer que estava deprimido porque o Babu não ganhou o BBB. Dá vontade de dizer: “FODA-SE!”. Você não é o corno do Babu! E além do mais a outra moça era muito mais simpática. Eu fui abusado quando era criança, Dr. Eu não aguento ficar ouvindo abobrinha.E minha filha, quando me abraça, eu sei, Dr., eu sei que ela quer me matar. Um dia desses eu vi ela pegando uma faca na cozinha…
-Carlos, vamos falar a sério.
-A minha amante, Dr., ela disse que meu pau é fino. Eu não sei se vou conseguir superar isso. Ela já pegou tanta gente; não é possível que o meu seja o mais fino, Dr. Até um dia desses eu realmente achava até que ele era razoavelmente longo. Mas…
-Cacete, Carlos… Para de inventar mentira, velho. Por que você mente tanto aqui no consultório comigo, porra?! A gente sabe que viado é você, que paga para chupar os novinhos lá no Setor Comercial Sul. Você que está com gonorreia de tanto dar essa raba velha e enrugada. Você é um puta psicólogo; famoso, renomado, ganha muito mais que duzentos reais a sessão. Eu sei que você não quer se divorciar porque ama muito seus filhos e não quer que eles cresçam sem a mãe. O pior! O pior é que sua mulher te ama e não entende porque você faz essas coisas. Ela já te perdoou mil vezes. E você ama seu trabalho, aparentemente. Se for para inventar caô, que seja algum coerente, sei lá! Diz que a consulta está cara demais e que você queria fazer umas sessões pro bono; trabalhar na cadeia- lá é cheio de homem do seu tipo. Enfim…
-Dr, você quer saber a verdade?
-Enfim, Carlos, Dr. é você. Eu nem mestrado em psicologia terminei ainda. Mas sou psicólogo de psicólogos; fazer o quê?
-A verdade é que minha vida é maravilhosa, Dr. E que eu gosto muito do roleplay de miserável moral que não consegue tocar a vida. É minha diversão vir aqui e ficar inventando histórias, sabe?
-Eu sei disso tudo. Agora, por que você não me conta algo que realmente te preocupa?
-A consulta está cara, Gilberto. Duzentos reais não é justo! Eu já te dei a dica mil vezes e você não baixa o preço. Por quê?
-Porque eu também tenho que comer. Além do mais, duzentos reais é pouco para lidar com esse comportamento de velho paneleiro patético.
-Eu quero ser escritor, Dr. Eu quero escrever essas histórias que eu ouço. Virar tipo um Alfred Döblin ou um António Lobo Antunes. Eu amo ir chupar os novinhos no Conic e depois pedir desculpas para a esposa. Eu amo ficar enchendo o saco do meu filho que nem idade tem para saber se é gay ou não. O que eu odeio é ter de ficar olhando para sua cara sabendo que você cobra mais de três reais por minuto que eu fico sentado aqui.
-A porta é logo ali, cara. Não precisa se preocupar.
-Eu amo quando você diz isso!
Ah, é foda. Graças a Deus ter de trabalhar à distância tem melhorado as coisas. Só fica quem realmente quer. Esse pederasta do Carlos sumiu. Está tudo bem.
Hoje saí da quarentena para ir jogar um poquerzinho. Nada de mais. Eu jogo bem e preciso da grana. Ninguém ali parecia estar levando o jogo a sério; e isso complica as coisas. Bando de velho rico que não têm o que fazer e vem perder dinheiro.
Saio andando a pé até meu carro, um UP!- foi o que deu a grana da herança- e observo como o céu de Brasília é feio de noite. Só o laranja das luzes e um monte de prédios altos, hotéis de prostituição de luxo…
Vou andando, andando, andando… Gosto de parar longe porque aí dá tempo de pensar na vida. Mas hoje não consigo pensar nada que preste. Eu também queria ser um Alfred Döblin ou um António Lobo Antunes da vida, imbecil! Claro! Ter o calibre literário que não tenho de rola. Seria magnífico!
Enfim deparo-me com um carro que fecha meu caminho pacífico no asfalto. Deve estar loucaço…
-Aê, Gilbertô!
Cacete, é o Babu! O que ele está fazendo na carona de um Corolla?
-É você mesmo? O Babu?
-Claro que é, cumpadi! Chega mais aqui.
No que me aproximo, vejo um .38 apontado para mim, saindo das sombras onde está um velho.
Pronto, quem vai acreditar na minha história? Sequestrado pelo Babu e pelo boiola do Carlos. Assim fica difícil.
-O que vocês querem de mim?
-Nada, só vou te mostrar uma coisa- disse o Carlos, sério.
Dirigiam-se para o Conic.
Enquanto estamos chegando, vejo dois jovens se beijando em um banco na frente da Universal. Não pode ser…
-Olha bem, seu merda! Olha bem! Vê se é mentira: O Júnior! Que porra é essa?!
Envergonhado o jovem se aproxima do carro e fala com o pai. Será que era tudo verdade? Não pode ser.
Da esquina sai a mulher do Carlos trazendo uma caixa de Ciallis importado. E de repente, entendo que é o meu que estará na reta dentro de pouco tempo...

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